O design de mobiliário das empresas em geral atuantes no Brasil tem sido desenvolvido com uma abordagem mais genérica, em âmbito nacional, com base, principalmente, nos mercados das regiões Sul e Sudeste, apesar da grande diversidade cultural existente entre suas regiões. Não há, por exemplo, no caso da Rudnick, móveis desenvolvidos especificamente para a região Nordeste do Brasil. A Entrevistada “AD”, Designer desta empresa, relata:
    ... nós aqui [da Rudnick] ainda não conseguimos fazer uma pesquisa, por exemplo, lá no Nordeste, para desenvolvermos um móvel que tenha mais a ver com o que eles estão sentindo e precisando lá, porque tem diferenças de clima, de comportamento... A gente ainda não conseguiu fazer isso, e, então, fica muito ainda com uma visão do que o Sul e o Sudeste estão querendo (ENTREVISTADA “AD”). [sem grifo no original]

Um dos fatores que tem dificultado o desenvolvimento de produtos mais específicos para os mercados locais tem sido a falta de flexibilização do sistema produtivo.

    No Nordeste, por exemplo, trabalha-se muito com móveis com pezinhos, porque, até pelo fato de ser muito quente, eles têm e lavam o piso de cerâmica. E, já com rodapé, a gente tem algumas dificuldades. Apesar disso, nós vendemos o mesmo produto que é vendido no Rio Grande do Sul em Manaus, porque também o mercado é muito grande no Brasil. É claro que poderíamos estar atendendo um mercado muito maior, só que teríamos que estar desenvolvendo produtos específicos para esses mercados. Então, vem a questão da flexibilidade de produção. Como as fábricas não são tão flexíveis, então... (RODRIGUES, 2001) [sem grifo no original]

A maioria das empresas tem trabalhado com linhas de produtos direcionadas a determinados segmentos de mercado, com o emprego de plataformas básicas, variando componentes, cores e acessórios.
    No Brasil, o mercado, por regiões, tem características distintas. Está segmentado de uma forma bem típica. O produto varia para cada segmento, em termos de cor (que, para cada segmento é diferente). Os materiais, de forma geral, são os mesmos. Têm a mesma base. Variam mais na parte de acessórios e complementos.
    O mercado do Sul pede produtos mais aconchegantes, até em função da própria temperatura. Mas, [...] pela característica da nossa empresa, nós não podemos nos ater a um determinado nicho, a uma determinada característica regional. Então, temos realmente que fazer uma síntese de tudo isso e colocar no produto.
    No exemplo dos pés, às vezes tem produtos que teriam que ir com pés, e nós não colocamos. Infelizmente, a gente tem que colocar rodapé, porque é o que as outras regiões pedem. E isso é uma característica bem típica. A questão das dimensões dos móveis também é bem característico por região. No Rio de Janeiro pedem muitas mesas menores, do tipo 1 por 1m. Já outras regiões pedem mesas maiores. Variam até os nomes dos produtos, como, por exemplo, a "sala de jantar", que em algumas regiões chamam de "varanda", principalmente no Nordeste. E as características dos produtos também variam. Que bom se a gente pudesse realmente fazer um desenho por região! Isso seria o ideal, até falando como designer. Mas, falando como empresa, tem as limitações (RODRIGUES, 2001). [sem grifo no original]

Pesquisas de mercado demonstram que nem sempre o uso planejado para um determinado produto é aquele que se tem na prática. Rodrigues relata experiências da Rudnick, que confirmam este fato.
    Muitas vezes nós desenvolvemos um produto para um determinado uso, para um determinado consumidor, e depois vemos situações totalmente opostas às que foram previstas.
    Fizemos uma pesquisa através de todos os nossos vendedores, que foram nas casas de consumidores, para fotografar situações de uso, sem aviso prévio, para que as pessoas não arrumassem. E, no dia-a-dia, a gente acabou encontrando situações bem diferentes das previstas. Em um exemplo, o consumidor usou a área de cabides para guardar cobertores. É uma característica interessante, e talvez, tivesse que ter um armário para o Sul, com muito mais espaço para cobertores. E não tem. E, no Nordeste, o armário poderia ser menor, porque eles quase não precisam de roupa.
    Na pesquisa sobre racks, em um exemplo, na área reservada para TV, com tampo giratório, a pessoa colocou planta, antena, etc.
    Em outro exemplo, a pessoa comprou um rack para televisão, e, então, comprou um suporte suspenso para a TV, ocupando o rack com outras coisas... É claro, o cliente usa de acordo com o que ele quer (RODRIGUES, 2001) [sem grifo no original]

As desigualdades sociais têm se refletido no desenvolvimento de móveis, cuja qualidade diferencia-se, conforme as classes sociais às quais se destinam. Os móveis de cozinhas mais populares, por exemplo, possuem materiais e acabamentos de qualidade inferior, com menor durabilidade e resistência, dimensionamento mais reduzido e com menos dispositivos e acessórios facilitadores das atividades de trabalho, comparativamente aos modelos direcionados às classes sociais de maior poder aquisitivo (ver Figuras 481 a 483).

Esta realidade confirma o entendimento de Bourdieu (1979; 1983), com relação à questão da distinção social, a partir da diferenciação dos bens de consumo.

Cabe lembrar que há uma parte expressiva da população brasileira, que vive em condições de extrema pobreza, que sequer tem tido acesso aos mercados de consumo de móveis, sendo, muitas vezes, obrigada a reaproveitar e adaptar produtos descartados para seu uso no cotidiano. 253▼

O uso dos produtos é essencialmente dinâmico e assume modos e significados diversos e variáveis, no tempo e no espaço, para pessoas de culturas distintas. Trata-se de uma questão de fundamental importância no design de produtos, e salienta-se a necessidade de um esforço conjunto das indústrias, designers, instituições de ensino e pesquisa, no sentido de promover uma maior flexibilização da produção e diversificação do design de móveis, com base em pesquisas contínuas e aprofundadas sobre as características e necessidades dos usuários.

FIGURA 481 -	DETALHES DE COZINHAS DE FAMÍLIAS DE CLASSE SOCIAL “A” E “C” (BRASIL, 1999)
FIGURA 481 -	DETALHES DE COZINHAS DE FAMÍLIAS DE CLASSE SOCIAL “A” E “C” (BRASIL, 1999)
FIGURA 481 - DETALHES DE COZINHAS DE FAMÍLIAS DE CLASSE SOCIAL “A” E “C” (BRASIL, 1999)
FIGURA 482 -	COZINHAS DA LINHA EM AÇO DA BERTOLINE (BRASIL, 2003)
FIGURA 482 -	COZINHAS DA LINHA EM AÇO DA BERTOLINE (BRASIL, 2003)
FIGURA 482 - COZINHAS DA LINHA EM AÇO DA BERTOLINE (BRASIL, 2003)

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253▲ Este assunto não é objeto específico desta pesquisa e não se encontra nela aprofundado. Para maiores esclarecimentos sobre este tema, ver: SANTOS, M. C. L. dos. 1996; 1998; 1999; dentre outros.
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