A cultura encontra-se essencialmente vinculada ao processo de formação das sociedades humanas, numa relação simbiótica, interdependente e dinâmica que acompanha o desenvolvimento dos indivíduos e grupos sociais, expressando sua linguagem, seus valores, gestos e comportamentos, enfim, sua identidade.
Desde que o ser humano começou a interferir no espaço natural, através da criação de seus primeiros artefatos, estes passaram a interagir e a participar na construção de si mesmo, tornando-se um referencial para a sua própria existência. Assim, a natureza, o desenvolvimento e a cultura do ser humano configuram-se como processos inseparáveis. E é desta relação fundamental que emergem a construção de símbolos, a linguagem, a comunicação, as relações e as práticas dos indivíduos e sociedades.
O conceito de cultura, fundamental para a análise da questão da diversidade cultural, foi formalizado pela primeira vez por Edward Burnett Tylor, em 1871, como “o todo complexo que compreende o conhecimento, as crenças, a arte, a moral, as leis, os costumes e as outras capacidades ou hábitos adquiridos pelo homem como membro de uma sociedade”. Vários conceitos e teorias sobre cultura têm sido apresentados desde então, representando correntes, tais como as do evolucionismo, historicismo, funcionalismo, culturalismo, estruturalismo, da antropologia cognitiva, do interpretativismo, dentre outras, que tentam, cada qual a seu modo, compreender e ampliar o entendimento dos fenômenos sócio-culturais, trazendo uma luz ao estudo das diversas sociedades. Em alguns momentos, a antropologia segue uma orientação universalista, e, em outros, acentua as particularidades. De um modo geral, apesar dos variados enfoques, as abordagens conceituais de cultura compreendem tanto os elementos “imateriais” (como, por exemplo, os hábitos e produtos da atividade mental), quanto os elementos materiais das sociedades humanas.
A visão antropológica universalista desconsidera as diferenças existentes entre os indivíduos e sociedades humanas, suas crenças e valores, costumes e instituições, na dimensão do tempo e do espaço. Nela, a diversidade “consiste em meros acréscimos, até mesmo distorções, sobrepondo ou obscurecendo o que é verdadeiramente humano – o constante, o geral, o universal – no homem”. Por outro lado, a antropologia moderna defende que “não existem de fato homens não-modificados pelos costumes de lugares particulares”, buscando conceituar o indivíduo e as sociedades, levando mais em conta a questão da diversidade cultural (GEERTZ, 1989, p. 47).
O conceito evolucionista, que dominou o período inicial de construção da antropologia, considera a cultura como um produto da natureza humana e a história do homem “como um único movimento linear e progressivo, no interior do qual a cultura européia ocuparia o cume, sendo que as demais equivaleriam a momentos anteriores do mesmo processo” (CANCLINI, 1983, p. 19). Entretanto, não há nada, no atual estado da ciência, que permita afirmar que uma raça seja intelectualmente superior à outra, o que refuta, portanto, a pretensão ocidental de ser o ápice da história (LÉVI-STRAUSS, 1970).
Contrariamente à visão da cultura como um processo unilinear e universal, verifica-se que cada cultura se expressa de um modo único, específico, e só pode ser explicada de acordo com seu próprio contexto, e a diferença fundamental entre os grupos humanos é de ordem cultural e não racial, conforme argumenta Franz Boas (apud CUCHE, 1996, p. 19), a quem se deve, na antropologia, o conceito de "relativismo cultural".
Apesar de convergir com o evolucionismo, na preocupação em explicar a cultura como um fenômeno universal e humano através da variável do tempo, a corrente do historicismo destaca a realidade e o trabalho humano, enquanto o evolucionismo se baseia na existência de uma lei natural da evolução. Além disto, enquanto o evolucionismo salienta o fenômeno da invenção, o historicismo destaca a difusão e os contatos entre os povos, destacando-os como um importante estímulo ao desenvolvimento de novas idéias.
Como um prolongamento do historicismo americano, surgiu o configuracionismo, que, tentando explicar a individualidade e a especificidade das culturas particulares, passou a considerar os indivíduos como sujeitos e objetos da cultura (MELLO, 1983).
Para Ruth Benedict (1972), uma das seguidoras do difusionismo americano e representante do configuracionismo, a cultura é a lente através da qual as pessoas percebem o mundo e a existência, e indivíduos de culturas diferentes vêem o mundo, têm apreciações de ordem moral e valorativa e comportamentos sociais distintos, de acordo com a sua herança cultural.
Ao contrário dos seguidores da corrente evolucionista e difusionista, que se preocuparam com as origens e os problemas sócio-culturais, a corrente funcionalista considera a análise histórica dispensável para a compreensão da cultura. Focaliza o funcionamento da cultura em um dado momento presente, buscando explicar a lógica do sistema como uma totalidade orgânica e identificar as estruturas e funções sociais de modo preciso.
Segundo Bronislaw Malinowski (1970), um dos principais representantes da corrente funcionalista, cada cultura consiste em um todo coerente, um sistema equilibrado e funcional, formado por elementos interdependentes e harmonizados entre si, de natureza essencialmente instrumental e utilizados pelas pessoas como um meio para enfrentar problemas concretos e satisfazer suas necessidades no mundo.
De acordo com a ótica universalista do funcionalismo, as culturas tenderiam a conservarem-se idênticas a si mesmas, e as transformações culturais resultariam de contatos culturais provenientes do exterior, o que, no entanto, torna-se impraticável, na medida em que cada sociedade tende a sofrer mudanças internas. Destaca-se, portanto, a relevância do exame das particularidades culturais, mais que a comparação entre culturas.
Entretanto, pelo fato das pessoas normalmente verem o mundo a partir de sua própria cultura, elas tendem a considerá-la como a mais correta e natural, o que caracteriza o etnocentrismo, uma tendência verificada mundialmente ao longo da história da humanidade e que consiste na “crença de que a própria sociedade é o centro da humanidade, ou mesmo a sua única expressão” (LARAIA, 1996, p. 75).
A visão etnocêntrica que não admite o fato da diversidade cultural resulta em apreciações negativas em relação à cultura “do outro”, em conflitos entre famílias, grupos, nações, e em manifestações de xenofobia, dentre outras, mais ou menos extremistas.
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