Na Europa, há linhas de móveis com acabamento laqueado (ver Figura 549), que já foi moda efêmera no Brasil, durante a década de 1970276▼ , mas que, atualmente, não é comum neste país.
FIGURA 549 - MÓVEIS DE COZINHA DA SCHMIDT, COM FACHADAS EM NOGUEIRA MACIÇA E ACABAMENTO LAQUEADO COM POROS ABERTOS (FRANÇA, 2004)
Embora, com a abertura de mercado, tenha se ampliado a gama de opções de acessórios e tipos de acabamentos para móveis, a mesma continua bastante limitada no Brasil.
Há cinco anos atrás, nós só tínhamos a Plastipar, de bom nível, e acabou! E a gente consome muito. Dizíamos: "Vamos desenhar uma coisa, e vocês fazem para a Rudnick". E eles: "Não". E, agora, com os importados... Acho que o compromisso deles é desenhar soluções para nós, e não nós desenharmos para eles. Mas, o que aconteceu? Com a vinda disso tudo, outras empresas, que faziam fivelas de calçados e cintos, pensaram: "Se eles consomem importados, que custam R$12, R$13, então vamos fazer para eles!". E assim nasceram empresas como a Alter, por exemplo. E antes, mesmo sendo um bom consumidor de plástico, não havia um Cristo que fizesse! E hoje temos mais opções. Antes, por exemplo, no esquema de montagem, era só tambor Rotofix. Então, são várias coisas assim. Agora, por exemplo, com a moda do cromado, estava atrás de uma tampa cromada, ao invés de preta. O cara tem a matriz e tal, e eu liguei para ele e pedi: "Posso pedir cromada?". E ele perguntou: "quantas peças você quer". E eu respondi: "cinqüenta, cem", porque não sabemos se o produto vai girar. Então o cara sabe que a moda é o cromado, acetinado e tal, mas ele não quer produzir. Eu disse: "Você não precisa vender só para mim, mas para muitos...". Mas, não... Então, sou obrigado a por a tampa preta! (TREVISAN, 2001).
A diferença do Brasil, em relação à Europa, em termos de oferta de opções de acessórios e tipos de acabamentos para móveis continua grande. “... citando o caso do dispositivo de montagem, hoje ele já evoluiu e melhorou realmente. Antes se tinha o Rotofix e acabou. Hoje já se tem cinco, ou seis tipos diferentes. Só que, lá fora, têm-se uns cinqüenta. Então, é uma diferença brutal”, afirma Rodrigues (2001). “Mesmo no caso do parafuso, a gente pede cromado, e não tem. Então, pelo menos o niquelado... E não tem. Então, é difícil ser designer no Brasil!”, acrescenta Trevisan (2001).
No Brasil, quando se constrói uma outra linha de metrô, utiliza-se o mesmo banco, a mesma comunicação visual. Lá não, na outra estação, tem outro banco. Então, não dá para se comparar. Nós fomos visitar sete fábricas de cozinhas de lá. A que menos fabricava corpo, caixa, tinha 12 cores.
[...] Em cozinhas nós temos só uma caixaria, que é branca, e 6 cores de fachada, e vão entrar mais algumas, totalizando 8. E já é difícil de administrar (TREVISAN, 2001).
Há diferenças expressivas entre os móveis estrangeiros e os do Brasil. Embora estas diferenças venham se reduzindo nos últimos anos, em vista do maior acesso à tecnologia, ainda se encontram presentes, sobretudo em função das desigualdades tecnológicas e da diversidade cultural, segundo Rodrigues (2001).
Vêem-se produtos lá fora que nunca, no Brasil, seriam aceitos. [...] A diferença é muito grande. Hoje, lá fora, eles têm muita flexibilidade [, em termos de processo produtivo]. E o Brasil agora é que está alcançando a produção em grande escala. Talvez, o próximo passo seja a produção em pequenas escalas, com essa flexibilidade (RODRIGUES, 2001). [sem grifo no original]
A adoção de certos sistemas em móveis no Brasil tem dependido da importação de determinados acessórios, a exemplo do Armário Fênix da Rudnick, cujo sistema de abertura do tipo “sanfona” foi desenvolvido a partir da importação de ferragens específicas para tal (ver Figura 550).
FIGURA 550 - ARMÁRIO FÊNIX DA RUDNICK (AUTORES: HORST NERING E AUZER DE CASTRO JUNIOR – ANO: 1995)
A Escriba têm alterado determinados tecidos de revestimentos dos assentos que produz sob licença da empresa alemã Wilkhahn, substituindo aqueles originalmente propostos por outros nacionais, em vista da maior facilidade de reposição destes últimos, e também a fim de reduzir de custos e fornecer cores mais claras para o mercado brasileiro (CALEJO, 2001).
Cerca de 85% dos materiais utilizados pela Escriba são recicláveis, ou que provêm de processos de reciclagem, e todos os componentes plásticos de seus produtos possuem identificação, de acordo com a norma internacional que permite a reciclagem pós-uso. E, de acordo com Calejo (2001), a empresa não tem utilizado acabamento cromado, por este ser muito agressivo ao meio ambiente.
No desenvolvimento de produtos, é preciso empregar-se materiais e processos industriais com responsabilidade, considerando-se as implicações ambientais, sociais, econômicas e os requisitos dos produtos. E este cuidado também deve ser tomado no caso de trabalhos experimentais, o que, infelizmente, nem sempre ocorre. “Há aqueles que querem utilizar os materiais mais inusitados, [...] e, na verdade, o resultado final vagamente remete à idéia do produto”, observa Calejo (2001).
Há uma participação expressiva do arquiteto na seleção e mesmo desenvolvimento de móveis. No caso da Escriba, por exemplo, “o arquiteto participa muito do processo de especificação dos acabamentos do produto final. [...] o arquiteto escolhe cores, materiais, acabamentos, a partir de critérios mais técnicos, e não tão influenciados pela moda”, o que tem trazido resultados bastante positivos, segundo Calejo (2001).
A compreensão e o cuidado, com relação à gestão ambiental, varia entre pessoas de culturas distintas, o que tem afetado o design de produtos, em termos de especificação de materiais, acabamentos, processos de fabricação, usos e pós-usos, dentre outros aspectos.
Cabe ressaltar experiências de design de móveis de empresas como a Muji, do Japão, que tem buscado desenvolver produtos sustentáveis, com minimização de processos, sem acabamentos supérfluos e desperdícios, e cuja linha de produtos inclui modelos fabricados com papelão reciclado (ver Figura 551).
FIGURA 551 - ESTANTES DA MUJI, COM GAVETAS DE PAPELÃO RECICLADO E ESTRUTURA DE TUBOS NAVAIS INDUSTRIAIS; COMPONENTES BÁSICOS (JAPÃO, 2004)
A qualidade dos materiais e acabamentos, a resistência e a durabilidade dos móveis têm variado entre os vários segmentos de mercado, salientando as desigualdades econômicas e a questão da distinção social, que caracteriza a sociedade, como observa Bourdieu (1979; 1983).
Diante dos problemas de qualidade de móveis, sobretudo populares, que se verifica no Brasil, destaca-se o papel do design, no sentido de encontrar alternativas de produtos criativos, úteis e honestos, sem elementos supérfluos, acessíveis à sociedade como um todo, na perspectiva do desenvolvimento sustentável e da responsabilidade social, levando em conta a diversidade cultural dos indivíduos e grupos sociais.
276▲ Para maiores esclarecimentos sobre este assunto, ver: Capítulo 5, item 5.2 (p. 231-232) desta tese; SANTOS, M. C. L. dos, 1995a.